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BOI DA CARA PRETA

BOI, BOI, BOI
BOI DA CARA PRETA
PEGA ESSE MENINO
QUE TEM MEDO DE CARETA

BOI, BOI, BOI
BOI DA CARA BRANCA
PEGA ESSA CRIANÇA
OI PEGA ESSA CRIANÇA



É possível que tenhamos acabado de ler o texto da canção de assombração para berço mais cantada do Brasil. Com ela fomos embalados e assustados por longos períodos de nossa infância. A primeira estrofe é mais conhecida e a segunda, presente em um trabalho de Vinícius de Moraes, já faz parte das inúmeras derivações encontradas no Estado do Rio de Janeiro. Para efeito deste trabalho resolvemos, nos aproximar de Dorival Caymmi e cantar a segunda com a mesma melodia da primeira.

O boi da cara preta faz parte da interminável série de acalantos que a humanidade criou para apressar o sono da filharada. Normalmente, essas canções falam de bichos ou de pessoas (reais ou fictícios), têm em comum o aspecto assustador próprio das criaturas que povoam o nosso imaginário e que fazem parte de um mesmo campo substantivo que as crianças e os que acreditam na imortalidade das almas chamam de assombração. Melo (1985), tratando deste assunto, tem a seguinte opinião:

A impressão que guardamos na infância desses bichos apavorantes é aprofunda e aterradora. O carrapato foi a nossa dura angústia infantil. Ainda o vemos na memória, semelhante a uma tartaruga gigantesca, parda, confundindo-se com as telhas, agarrada nos caibros, pronta a qualquer momento a saltar sobre nós e devorar-nos rapidamente. Se por um lado a função desses fantasmas é necessária para amansar os rebeldes, por outro é contraproducente à educação da criança, gerando pavor medonho e estúpido nos meninos, intimidando-os, favorecendo a formação de complexos e recalques difíceis de libertação na adolescência.

Destacamos este fragmento de seu livro Folclore Infantil, cujos artigos foram escritos entre 1949 e 1953. O texto traz uma primeira parte verdadeira e carregada do pavor lúdico que todas as crianças sentem durante a infância. No entanto, estudos mais recentes contrariam a formulação final de Melo quando o tema é formação de complexos e recalques. Quem melhor se contrapõe a tese em questão é Bettelheim, em seu livro Psicanálise dos Contos de Fada, sobre os prazeres que sentem as crianças em brincadeiras que envolvem histórias de bruxos, monstros, fadas, gnomos e anjos malvados. Ao contrário de Melo, Bettelheim vê nessa interação fantasmagórica um dos fatores de desenvolvimento da personalidade infantil.

A escolha desta canção para abertura dos trabalhos que ajudam a contar a história da cultura bovina reside na amplitude de sua aplicabilidade. Utilizamos o seu texto em ocasiões variadas e para inumeráveis fins. Ora, na escola de educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, para abrir a discussão sobre a importância do animal na vida do povo brasileiro. Ora, nas rodas de sensibilização que fazíamos com os grupos de alunos dos cursos de formação de professores com o objetivo de levar o grupo a um tempo esquecido e que precisava, por algum motivo, naquele momento, ser recuperado. O espaço deste livro é pequeno para uma exposição de melhor qualidade sobre a riqueza de nosso cancioneiro popular, mas a simples utilização desta canção nos impele a continuar no exercício de recuperação de outras quadrinhas que contribuem para a perpetuação do universo mágico da infância.

UMA POSSIBILIDADE DE JOGO INTERADOR
Sentados em círculos (alunos e professor). O professor começa utilizando a sua própria pessoa. Ele produz algumas caretas que podem ser ou não acompanhadas por vozes dos bichos que se deseja representar. Em seguida todos devem imitar com vozes e gestos o seu bicho preferido. Esta atividade não deve ocupar um tempo superior a 15 minutos. Lembremos de que todo o grupo (independentemente de sua faixa etária) deve participar. Os jogos interadores só apresentam bons resultados quando todos participam.

UMA ATIVIDADE PLÁSTICA
Explorando as formas do boi. As atividades plásticas que realizamos para o fechamento dos trabalhos que começavam com esta canção nunca foram repetidas em sua plenitude. A heterogeneidade dos grupos com os quais lidamos vida afora ia exigindo de nós inúmeras adaptações. Desde o simples banho de cores que nos acostumamos a dar nos pequeninos que acabavam pelados em baixo de um chuveiro de quintal, até a continuidade dos trabalhos de sensibilização para ações teatrais realizadas em ambientes fechados de caráter mais profissionalizante. De comum somente a felicidade de recordar as canções que de alguma forma marcaram a nossa infância ou que ainda estejam presentes nas ingênuas e felizes brincadeiras que animam as tardes da criançada que não trabalha nos sinais de trânsito de nossas cidades.



Caso a escolha recaia sobre uma atividade com tintas é importante lembrar que algumas crianças num primeiro momento evitam as colas de farinha que utilizamos para os pequeninos. É tarefa do educador, encorajá-las para que realizem os primeiros contatos com a cola. Mais tarde elas serão impelidas pelo prazer que emerge da ação. A cola de farinha deve ser produzida com antecedência, mas a mistura das cores deve ser feita na frente dos alunos. Cada cor em um vasilhame plástico que permita a criança enfiar as mãos. Esta atividade é para dia de sol bonito e deve ser realizada com pouca ou nenhuma roupa. A discussão sobre o traje, obviamente, varia de acordo com a faixa etária, mas o fechamento da atividade normalmente exige um bom banho de mangueira ou chuveiro de quintal.

Para um banho de cores é preciso ter por perto: Uma parede azulejada liberada para a performance ou papéis de grandes dimensões, cola de maisena ou farinha de trigo, anilina comestível se as crianças forem pequenas. Para os mais velhos, potes grandes de têmpera guache são mais práticos. Todos os trabalhos devem ser feitos com as mãos. Os pincéis não fazem parte desta atividade porque provocam inibição especialmente para aqueles que têm ojeriza a coisas moles e grudentas como as tintas. As mãos são os objetos de transporte e aplicação, no chão, na parede, no corpo. Misturem, pintem, esfreguem, gesticulem, experimentem.